Como os criadores de conteúdo mirins podem garantir que estão seguindo as regras de segurança e privacidade online?
Segundo a pesquisa do TIC Kids Online Brasil 2021, 93% das crianças e dos adolescentes brasileiros entre 9 e 17 anos estão conectados à Internet
Nos dias de hoje, a presença de influenciadores mirins nas plataformas digitais se tornou uma realidade cada vez mais comum nas redes sociais. Crianças e adolescentes estão conquistando seu espaço na internet, acumulando seguidores e participando de campanhas publicitárias. Nesse cenário dinâmico, é essencial que tanto os jovens criadores quanto seus responsáveis compreendam as normas que cercam o uso da imagem de menores e garantam que seus direitos sejam respeitados.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, 83% das crianças e adolescentes que acessam a internet no país já têm suas contas em plataformas como TikTok, WhatsApp, Instagram e YouTube. Entre os pequenos de 9 a 10 anos, ainda que menor, já são 60% deles, online. 93% dos jovens entre 9 e 17 anos estão conectados, e três em cada quatro sonham em se tornar influenciadores.
Essa nova realidade traz à tona questões importantes relacionadas à segurança, privacidade e a crescente participação em ações publicitárias.
A legislação brasileira é clara ao estabelecer que menores de 14 anos não podem trabalhar, salvo em atividades artísticas, desde que autorizadas pela Justiça e que essa atuação não comprometa seu desenvolvimento. Essa exceção está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que orienta o cuidado necessário em todas as etapas da participação de menores em atividades públicas ou comerciais.
“Aqui na nossa família, a gente só faz trabalhos comerciais com as crianças se houver autorização judicial. A gente acredita que essa atividade precisa estar regulada, com a destinação legal de parte do dinheiro para o futuro delas. Hoje, parte do que temos investido para o futuro da Dandara e do Akins vem justamente dessas atividades comerciais feitas de forma legal e com o devido acompanhamento”, comenta Adriana Arcebispo, da Família Quilombo, que vive a experiência de conciliar a exposição digital com os direitos das crianças.
Quando falamos de publicidade, o Brasil possui diretrizes rigorosas para proteger o público infantil. Comandos como “compre” ou “peça para seus pais” são proibidos, assim como conteúdos que desvalorizem a família, a escola ou a alimentação saudável. A publicidade deve ser claramente identificada, sem se confundir com conteúdo jornalístico, e deve seguir os princípios do Código de Defesa do Consumidor e do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CONAR).
No entanto, a realidade exige uma reflexão profunda sobre a natureza do conteúdo criado por essas crianças. A produção de vídeos, fotos e outros materiais compartilhados nas redes sociais pode assumir características de trabalho quando envolve remuneração, frequência e obrigações contratuais. Nesse contexto, a linha entre lazer e exploração torna-se sutil e, por vezes, perigosa.
A falta de uma regulamentação específica faz com que muitas crianças atuem como "trabalhadoras" da internet sem qualquer respaldo legal. Especialistas alertam sobre a precarização do trabalho infantil no ambiente digital, onde a lógica da influência, já marcada pela informalidade e instabilidade entre adultos, se torna ainda mais frágil quando se trata de crianças.
“Aqui em casa, a gente usa ferramentas para controlar esse acesso. As crianças não têm redes sociais no sentido de terem acesso direto. Eu guardo os arrobas delas, mas quem acessa as redes sou eu. No caso da Dandara, por exemplo, sou eu quem decide o que ela pode ver ou não. E com o Akins, que tem 15 anos, o acesso às redes só aconteceu a partir dos 13 anos, que é o prazo legal para adolescentes no Brasil. Claro que a gente sabe que a maioria acessa antes dessa idade, mas acho importante não abrir mão de falar sobre a legalidade e de discutir formas de reduzir os danos dessa exposição precoce”, reforça Adriana.
“Para garantir a proteção das crianças nas redes, é fundamental que o vínculo entre elas e as marcas seja formalizado por meio de um contrato claro, com autorização judicial da Vara da Infância e Juventude e acompanhamento contínuo de responsáveis conscientes. Essa estrutura precisa estabelecer limites de tempo, preservar a privacidade e assegurar que nenhuma responsabilidade indevida recaia sobre a criança. Além disso, temos sempre que lembrar que nós como pais temos responsabilidade direta sobre tudo que nossos filhos fazem e que é necessário mantermos para eles um ambiente seguro livre de prejuízos que possam ser ocasionados a sua integridade. A França, por exemplo, já reconhece a atuação de influenciadores mirins como atividade artística, com uma regulamentação específica que controla a exposição e o uso comercial da imagem infantil”, complementa Lycia Ferreira, CFO da Brunch.
No Brasil, apesar de algumas iniciativas, ainda estamos distantes de uma legislação robusta para o continental volume de conteúdo produzido por crianças.
O ECA garante a proteção integral de crianças e adolescentes, mas sua aplicação no ambiente digital exige novas interpretações, maior fiscalização e políticas públicas atualizadas.
A internet, embora amplie oportunidades, também apresenta riscos como assédio, exposição indevida, exploração comercial e violação da privacidade. Portanto, a criação de conteúdo por crianças não deve ser encarada como uma mera brincadeira com retorno financeiro, nem deve ser romantizada como um talento precoce ou uma promessa de futuro garantido.
À medida que o mercado se expande e se reinventa, o debate sobre o trabalho infantil digital precisa ganhar espaço nas discussões públicas, envolvendo legisladores, educadores, plataformas, marcas e famílias. A proteção da infância deve sempre prevalecer sobre qualquer algoritmo. Mais do que formar pequenos influenciadores, é vital assegurar que as crianças possam, acima de tudo, ser crianças.