No que os criadores devem prestar atenção quando o assunto é regulação?
Influenciar vai muito além de entreter: é exercer poder. E todo poder pede transparência, regras e responsabilidade.
Este texto é uma colaboração Brunch com a API - Associação das Produtoras Independentes do Audiovisual.
Spoiler: regular não é censurar. É reconhecer.
"Regulação" é uma daquelas palavras que assusta quem não entende. Mas esse medo está protegendo quem entende. Muita gente no mercado de influência ainda a vê como um risco. Mas, na verdade, ela é a chave para transformar uma lógica de exploração em uma estrutura de direitos, deveres e sustentabilidade. Não é uma novidade e nem algo que outra indústria já não tenha aprendido a duras penas. Mas foi essencial para tornar o setor audiovisual, por exemplo, minimamente organizado em torno de pautas de interesse coletivo.
Mas vamos por partes.
Regulação ≠ regulamentação
Regulação é o conjunto de regras e diretrizes criadas pelo Estado ou por órgãos públicos para garantir que um setor funcione de forma equilibrada, ética e transparente. Ela envolve políticas públicas, fiscalização, incentivos e sanções. Exemplo? A regulação da radiodifusão, do setor elétrico, do transporte, da saúde. Setores essenciais como a cultura possuem regulações próprias para que sejam indústrias fortes para o país.
Regulamentação, por outro lado, é o passo seguinte: quando uma lei já foi aprovada e precisa de um detalhamento técnico e prático para funcionar. Ou seja, a regulamentação executa o que a regulação criou.
Para a creator economy, o que está em jogo agora é a regulação: reconhecer que esse setor existe, movimenta bilhões e precisa de regras claras para proteger as relações entre criadores, marcas, agências, plataformas e todos os elos digitais que atuam na cadeia.
Mas de onde surgem essas regras?
As regulações surgem a partir de pressão social, política e institucional. Não caem do céu. São fruto de mobilização, debate público, articulação com parlamentares, produção de dados e construção de uma identidade coletiva.
“A história da regulação do mercado cinematográfico é antiga, e ganhou força ainda na década de 1950 do século passado. Um importante instrumento foi o Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), que reuniu produtores e diretores pela primeira vez em 1952, e existe até hoje. Ter este espaço de discussão coletiva, organizada e com encaminhamentos é essencial no processo de regulação do mercado. E a sociedade civil organizada precisa sempre liderar este processo, para que a regulação tenha a cara da demanda do setor.”
Juliane Almeida, diretora norte da API
O audiovisual conquistou espaço regulatório porque teve organização. Teve base. Teve quem brigasse por ele.
E a creator economy? Hoje, ainda vive um paradoxo: é mercado de influência, mas sem influência política. Tem milhões de criadores, mas nenhuma entidade que represente a categoria com legitimidade institucional. Doeu?
Então o que os criadores devem fazer?
Aqui vão cinco pontos críticos para que os criadores comecem a agir em busca da regulação do setor:
1. Entender que não se trata só de você.
A regulação é coletiva. Seu CPF não sustenta uma categoria inteira e isso significa que, muitas vezes, os seus interesses não serão os mesmos do coletivo.
2. Se organizar em rede.
Isso vai além de collabs que você já faz. Estamos falando de associação, estatuto, conselhos, agenda comum. Investimento em coletividade.
3. Apoiar projetos de lei que reconheçam a profissão.
Sim, criador é profissão. Mas enquanto isso não estiver reconhecido legalmente, não adianta só ter CEO de MEI.
No Brasil, existe o Projeto de Lei 2347/22 que busca reconhecer como profissão o trabalho de influenciadores digitais para que sejam propostas regulamentações. Aqui uma lista de outros projetos em tramitação.
4. Participar do debate público.
O setor só vai ser levado a sério se ocupar os espaços onde as decisões são tomadas: câmaras setoriais, conselhos, audiências públicas.
5. Aprender com quem já passou por isso.
O setor audiovisual tem um histórico importante. A API está aqui exatamente para compartilhar esse caminho e ajudar a pavimentar o próximo.
Enquanto ficarmos presos à lógica do “deixa como está”, investimentos essenciais não chegam para fomentar o ecossistema como um todo. E quem paga a conta são os criadores: com burnout, insegurança jurídica, precarização e renda instável - vendida como liberdade e salvação.
Na Brunch, a gente defende que a regulação não é um entrave. É o começo de um mercado que respeita quem cria. E o futuro da creator economy precisa de política, representatividade e voz ativa.
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