O problema não é (só) você, às vezes pode ser culpa do sistema
Conhecer os bastidores é essencial para lembrar que nem tudo é sobre você.
Se você é criador de conteúdo isso provavelmente já aconteceu com você. Chega um e-mail de uma agência querendo orçar um conteúdo patrocinado para uma marca com você. Eles explicam alguns poucos detalhes do escopo de trabalho e pedem urgência no envio da proposta. Ainda que você não tenha todas as informações necessárias para saber se o trabalho não será uma grande furada (será), você (ou sua agência) se desdobram para enviar o orçamento porque é uma marca que você adora, tem tudo a ver com você e com a sua proposta de conteúdo, você já cria uma certa expectativa por ter sido notado pela marca que você sempre sonhou trabalhar.
Orçamento pronto, enviado.
Se passam alguns dias, semanas e nenhuma resposta. Aquela expectativa se torna ansiedade, que se torna frustração e você começa a se questionar o que tem feito de errado. Será que meu conteúdo não está bom? Será que minha taxa de engajamento é muito baixa? Será que alguém cobrou mais barato? Devia ter mandado o valor com desconto de entrada. Se você tiver uma agência, chama a agência e pede para revisar os valores que tem mandado e baixar todos eles para não correr o risco de perder mais nenhum trabalho com marcas que você admira tanto.
Tudo que você pode supõr é baseado nas informações que você tem. Nesse caso, você sabe o valor da proposta e que ela não foi respondida. Some ao fato de que sua expectativa foi lá em cima e pronto, a fórmula perfeita para achar que você ou seu preço é o problema, mas às vezes tudo que você supôs não tem nada a ver com o que realmente aconteceu.
Criadores frustrados e ansiosos por propostas nunca respondidas, pedidos urgentes, nenhum feedback. Você já se viu assim, não é?
Mas você sabe o que acontece do outro lado? Nos bastidores do marketing de influência passamos por um problema crônico de entendimento de papéis que cada profissional exerce no mercado. Para entender esse processo, criamos aqui uma sistema de venda que poderá tomar caminhos diferentes para conseguir chegar ao final e cada caminho terá atores e papéis diferentes completando a jornada.
O primeiro ator é você, criador. O último é a marca. Entre você e a marca podem existir alguns interlocutores e cada um deles deve exercer um papel. Agentes de negócios como os executivos de negócios da Brunch, por exemplo, ou empresários artísticos são os atores mais próximos do criador, dado seu papel estratégico no plano de vendas e busca das oportunidades de negócios do criador. Mas entre o criador - e seu agente - e a marca, estão as agências de publicidade, de marketing de influência e as plataformas. O papel da agência de publicidade é estratégico, pois apresenta a estratégia como um todo da marca, que campanhas serão necessárias para comunicar cada um dos produtos e serviços, bem como planejar ações que auxiliem a marca a alcançar seus objetivos. Já as agências de marketing de influência, podem ou não ser contratadas diretamente pelas marcas. Quando são, trabalham em conjunto com a agência de publicidade, cada uma na sua especialidade, para ajudar a marca a alcançar seus resultados. Quando não são contratadas diretamente pela marca, elas podem ser contratadas pela agência de publicidade, pela assessoria de imprensa, pela produtora de eventos, depende da ação ou campanha. Por fim, as plataformas de mídia (como a Meta, Youtube, Tiktok) são os lugares onde geralmente os conteúdos criados são publicados e que oferecem os dados para avaliação da performance.
Explicar esse sistema dá visibilidade a quem está ao lado de quem está defendendo que tipo de interesses de negócios. Tanto as agências de publicidade quanto as de marketing de influência são contratadas pelas marcas para ajudarem nos seus objetivos. Os agentes de negócios e empresários são contratados pelos criadores trabalhando para ajudá-los a alcançarem os seus objetivos de negócio.
Dentro de um sistema com tantos atores com interesses diferentes pode ser até inocente achar que você não fechou o trabalho (só) por conta do preço. Aqui listamos algumas coisas que podem acontecer no processo e elas transitam por repasse, curadoria, resultado esperado.
Apesar de mudanças significativas sobre a transparência nos trabalhos estarem acontecendo, cada agência tem livre arbítrio para precificar seus trabalhos e repasses de acordo com o contrato acordado com as marcas contratantes. Por exemplo, alguns contratos entre marcas e agências estipulam que a agência deve apresentar os valores reais dos criadores bem como os custos operacionais para criação, planejamento e gestão operacional de uma campanha, que pode ser uma comissão ou um custo fixo mensal, o conhecido fee. Esse é o modelo mais justo e que elimina em partes a possibilidade de seu orçamento não ter sido aprovado por valor, É o modelo que nossa operação de marcas, a TOAST, executa com seus clientes.
Digo por partes porque nem todos os contratos exigem essa transparência e, quando não se exige isso, a agência pode operar com markups que fazem sentido para sua gestão operacional. Vamos supor que o orçamento que estamos falando desde o início seja de R$10.000,00. Nesse caso, a agência usará o seu valor como base de cálculo e aplicará um markup sobre ele. Imagine que o markup dessa agência seja 3, isso significa que o seu preço chegará na marca como R$30.000,00 e caso seja aprovado o seu repasse será de R$10.000,00, valor original do seu orçamento. Essa prática não é errada, mas enfraquece o sistema e os criadores que atuam individualmente e sem nenhuma institucionalização, principalmente os que já entenderam o valor do seu trabalho. Nesse caso pode ser que o seu orçamento caia pelo valor, mas ainda há o elemento curador que no dia a dia das agências é o que mais derruba propostas.
Com o crescimento do marketing de influência, passou a circular nas agências, um novo tipo de profissional que se especializaram em fazer curadoria de perfis de criadores para campanhas das marcas. Essa função é essencial e pode determinar o sucesso ou não de uma ação feita com criadores. Esse papel é exercido por gerentes de comunidade, analistas de marketing, especialistas no segmento, não tem uma só pessoa que acabe recebendo essa função pela particularidade transversal que o próprio mercado tem.
Algumas empresas delegam essa tarefa ao time de compras, à produção, aos analistas de mídia. Não existir um padrão diz muito sobre como marketing de influência é uma disciplina atravessada por subjetividade, logo, a escolha por qual será o melhor criador a executar essa função segue sendo subjetiva.
Tamanha relatividade com conhecimento empírico do profissional é um incômodo constante nas agências que precisam torcer o P&L para fazer a conta fechar. Por isso, hoje, já são comuns as plataformas que prometem oferecer serviços de automação para prover a melhor seleção de criadores para uma campanha. Na prática, cria-se parâmetros iniciais para a escolha e deixa a máquina fazer o restante. Acredito que são maneiras interessantes de ajudar um bom curador a expandir o olhar para além da sua bagagem, mas o problema aqui está nos parâmetros.
O marketing de influência segue tropeçando ao determinar a influência de alguém a partir de métricas como número de seguidores, taxa de engajamento ou visualizações de conteúdo. Quando se trata de uma compra de mídia, esses critérios já se mostram vulneráveis pela ausência de uma análise que minimamente vire para a página dois e observe critérios de qualidade, segurança, apropriados para o contexto atual. Por isso, plataformas podem ser vistas como aliadas dos curadores e não como curador em si.
É importante explicar como esses bastidores funcionam porque é aqui que habitam decisões arbitrárias sobre influência de modo geral. Quando um criador não apresenta os números configurados no início da seleção feita por plataformas, ele sequer aparecerá como possibilidade. Então, mesmo que alguém tenha enviado um email solicitando um orçamento antes de passar o nome do criador pelos parâmetros que provavelmente o reprovaram, a probabilidade desse orçamento nunca mais ser respondido é enorme.
Para ajudar os profissionais das marcas e agências, que acabam entrando nessa sinuca de bico, fica uma recomendação que vale para sua carreira e para sua vida: ao solicitar um orçamento para um criador explique se sua abordagem se trata de um sondagem inicial, ou se o pedido está associado a uma concorrência, esclareça que critérios de aprovação estão sendo analisados, e, se possível, apresente os objetivos que o trabalho precisa alcançar. São informações que ajudam qualquer fornecedor a saber em que território está andando e alinhar as expectativas em relação ao que precisa ser feito.
Ao decidir quais serão os criadores que participarão da ação, prepare um e-mail para os orçamentos que não tiveram sucesso nessa ação, formalizando que a seleção para a campanha foi encerrada e por quais critérios ele não foi selecionado. É bom para você como profissional que exercita sua comunicação e habilidade de fornecer feedbacks, é bom para o criador que pode aprender, melhorar sua atuação e manter as portas abertas.
Ainda falando sobre preços porque se trata de um dos assuntos de maior insegurança entre profissionais autônomos, nos bastidores há uma tentativa de criar uma grande tabela de preços ao qual o mercado pode recorrer sempre que precisar saber quanto um criador cobra para fazer um trabalho. O problema dessas tabelas é que elas se baseiam nos mesmo parâmetros estruturados pelas plataformas, excluindo a subjetividade basilar desse tipo de trabalho e tomando para o mercado a responsabilidade que deve ser dos criadores.
Por isso, é inadiável a necessidade do surgimento de associações de criadores para institucionalizar direitos, deveres e seus valores cobrados de maneira organizada, para garantir que essa grande tabela não seja criada e mantida pelo outro lado do balcão, pois ainda que se busque medir influência com números, para que eles possam existir é essencial que fatores subjetivos sejam analisados.
Por fim, a culpa pode ser do resultado esperado pelo cliente. E nesse caso você pode ter sido desconsiderado por claros indicativos de performance avaliados para a campanha em questão. Considere que o seu trabalho entregue resultados como consideração de compra e o que o cliente precisa, nessa campanha, seja alcance e reconhecimento ou vendas de um determinado produto. Faz parte do trabalho saber quais são os tipos de resultados que você é bom em entregar e quais não. Além de conhecer os bastidores ser essencial para lembrar que nem tudo é sobre você. Ainda que tenhamos discorrido sobre o porquê de você fechar ou não uma trabalho, não tem como terminar aqui sem questionar algo que deve doer, mas que a gente precisa falar sobre: por que você (ainda) só tem publi para vender?
Até o próximo texto.
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