Visão Creator @orathiago: Entre as redes e o regime CLT, o novo momento da creator economy não é o que parece.
A promessa de liberdade virou sobrecarga, e o sonho da autonomia digital deu lugar à busca por estabilidade. O que o retorno ao CLT revela sobre a economia dos criadores no Brasil?
Influenciadores estão largando as redes sociais e voltando para o trabalho CLT. Ou pelo menos é isso que parece estar sendo reportado na matéria da Marie Claire publicada no dia 18 de outubro. No mês anterior, um diagnóstico semelhante apareceu na coluna de economia do Terra.
No Youpix Summit 2025, um painel chamado “Arrume-se comigo para voltar ao CLT” reuniu criadores que fizeram fama e dinheiro nas redes, mas se renderam à estabilidade de um emprego formal (com os devidos direitos trabalhistas).
Num cenário de menor taxa de desemprego na história e uma crescente e quase sempre justificada descrença com influenciadores, parece que “a natureza está se curando“. Ou pelo menos foi assim - em tom celebratório - que muita gente reagiu a esse movimento. Finalmente o Brasil vai se ver livre de influencers! Mas será mesmo?
Será que é o fim da era do “topa tudo por engajamento” e o início de um novo momento da internet brasileira?
Existe mesmo essa grande debandada de influenciadores para empregos formais? A resposta mais simples pra essas perguntas fica em algum lugar entre o “depende” e o “carece de fontes”. E não é nada animadora.
Antes de qualquer coisa, meu objetivo aqui é trazer um panorama um pouco mais amplo do que o que aparece nessas reportagens. Não estou aqui tecendo críticas aos veículos ou influenciadores entrevistados. A discussão é bem maior, mas pra chegar nela preciso primeiro observar alguns pontos importantes que aparecem nas matérias.
“Tinha mês que não ganhava praticamente nada”, diz o título da reportagem da Marie Claire. As aspas são de Gabrielle Gimenes, que tem hoje 56 mil seguidores no Tiktok e, depois de um ano criando conteúdo para nichos variados (produção audiovisual, rotina e cuidado com pets, segundo a matéria), concilia o trabalho nas redes com um emprego formal. Também aparece no texto Maíra Muller, que tem 64 mil seguidores no Tiktok, mas preferiu não continuar vivendo exclusivamente do seu trabalho nas redes. “É irracional querer viver só de internet”, diz ela.
Esses dois casos são apresentados como sintomas de uma tendência, mas nenhum dado real é citado porque estudos mais profundos sobre o tema ainda estão sendo conduzidos.
Algumas perguntas precisam ser respondidas:
Quantos criadores realmente estão abrindo mão do trabalho nas redes por um emprego CLT? Qual é o perfil desses criadores? Em quais regiões do país eles vivem? Existe algum recorte pertinente de gênero, raça, classe, território ou área de atuação? Quais vagas em regime CLT estão disponíveis pra esses profissionais? Em quais setores da economia? Quais faixas salariais? Tem muito mais perguntas que precisam ser feitas, mas dá pra ter uma ideia a partir dessas. O que se sabe, por enquanto?
A pesquisa conduzida pela Brunch em parceria com Youpix, citada na matéria, mostra que metade dos criadores no Brasil ganham menos de R$5 mil por mês.
Mas existem muitos outros dados a considerar:
O Brasil hoje conta com mais de 14 milhões de criadores de conteúdo (Fonte: Wake Creators 2025)
9% dos criadores têm a criação de conteúdo como única fonte de renda (Fonte: Wake Creators 2025)
1,3% dos criadores têm renda mensal de R$50 mil a R$100 mil (Fonte: Brunch + Youpix 2025)
0,54% tem renda mensal maior que R$100 mil (Fonte: Brunch + Youpix)
91% dos criadores conciliam produção de conteúdo com outras fontes de renda (Fonte: Wake Creators 2025)
O que é importante de ser observado aqui é que são pouquíssimos os profissionais que podem se dar o luxo de viver exclusivamente de criação de conteúdo.
Quem consegue minimamente se estabelecer nesse esquema de dedicação exclusiva precisa adotar uma estrutura de empresa, com funcionários, contabilidade, CNPJ e, se possível, um bom aporte financeiro e capital de giro.
Quem é que tem acesso a isso no Brasil em 2025?
Os números da creator economy crescem a cada ano, mas quem vive o dia-a-dia dessa economia sabe o que eles revelam na realidade: concentração de renda.
Grandes cachês, trabalhos e vitrines pra quem tem milhões de seguidores e migalhas pro que sobra. O pequeno e médio criador (como os dois exemplos citados na matéria da Marie Claire) têm tido cada vez mais dificuldade de se estabelecer nesse mercado.
Em meio a instabilidade, insegurança, falta de transparência dos algoritmos e desigualdade de oportunidades, é muito difícil - praticamente impossível - construir uma carreira estável nas redes. Por que parece uma boa ideia começar a trabalhar com isso, afinal?
O grande ponto de virada da creator economy foi a pandemia.
É a história que todos conhecemos e que é repetida acriticamente em tudo que é lugar. Tava todo mundo em casa, as plataformas se tornaram vitrines e marcas passaram a injetar dinheiro em influenciadores num contexto em que os eventos presenciais estavam em pausa.
Quem soube aproveitar a onda (ou teve muita “sorte”, se é que me entendes) estruturou seus negócios e se consolidou no mercado antes dele se reposicionar a partir de um novo momento global pós-vacina.
O problema é que no meio de tudo isso, o que inflava os números da creator economy eram majoritariamente aportes financeiros movidos pela expectativa de um crescimento exponencial nos anos seguintes. Isso não aconteceu - ao menos não da maneira como se esperava.
Pode não parecer, mas não estamos mais tão cronicamente online.
Pelo menos não tanto quanto alguns anos atrás. Uma análise da Financial Times com base em estudo global publicado pela GWI mostra que a quantidade média de horas dedicadas a atividades online atingiu um pico em 2022 e reduziu 10% de lá pra cá.
A pesquisa TIC Kids Online de 2025 também aponta uma redução do número de crianças e adolescentes conectados à internet. Ainda precisamos de mais dados, mas o que dá pra pensar aqui é num desgaste generalizado de redes sociais e um aumento da descrença em torno esse tipo de ambiente.
O que pode ser positivo em alguns sentidos, mas é no mínimo um sinal amarelo para o mercado de influência, que mesmo sem entender muito bem os motivos, sentiu os efeitos desse novo momento.
Quando as marcas se reestruturaram depois da pandemia, o dinheiro que sobrou tava concentrado, mas as dívidas tavam batendo na porta de centenas de empresas que agora se viam em crise e diante de um impasse: será que é melhor largar esse setor como um todo ou terceirizar o prejuízo pros criadores?
Não é muito difícil imaginar qual o caminho escolhido.
Enquanto isso, num contexto de recessão econômica e de uma população vivendo as consequências de uma pandemia e uma violenta reforma trabalhista que veio antes dela, o poder público assistiu inerte um setor inteiro inflar da noite pro dia: 14 milhões de pessoas se tornaram “influencers” na busca por fontes de renda alternativa e melhores condições de trabalho.
Tudo isso tava acontecendo sem qualquer menção a regulação do setor ou da profissão. Todo mundo agora tinha em suas mãos uma câmera de altíssima definição, com capacidade de transmitir qualquer coisa pro país inteiro sem qualquer instrução, limites ou freios no contexto de uma crise sanitária global.
Deu no que deu.
Sabendo disso, o cenário que se desenha hoje não é bem o de “volta” ao trabalho formal. Essas pessoas em sua maioria recorreram à criação de conteúdo como fonte de renda extra num contexto de desemprego e precarização de suas profissões originais.
Por um breve período (em especial durante a pandemia), isso pareceu uma opção viável. Mas de lá pra cá a creator economy engessou e se concentrou na mão de quem já tinha muito dinheiro.
Que supresa! Resultado: mais insegurança e mais instabilidade pra metade menos favorecida desse ecossistema. Quem conseguiu uma boa vaga de emprego CLT (e a estabilidade que vem com ela) não pensou duas vezes.
Mas quantas boas vagas em regime CLT ainda existem depois da reforma trabalhista de 2017? E depois da pandemia? Ou você acha que tem influenciador grande largando o Instagram pra trabalhar em escala 6x1?
Essa eu vou deixar pra você refletir.
Os influenciadores grandes - as Virgínias e Carlinhos Maias - estão muito bem, obrigado, e não vão a lugar nenhum. Quem tem condições, escolaridade, contatos e vive em regiões mais privilegiadas do país talvez - TALVEZ - consiga um bom emprego de carteira assinada ou até mesmo abrir uma agência de publicidade perto do metrô Fradique Coutinho. E eu imagino que você saiba que esse recorte aí é minúsculo né. O resto tem que brigar pelo que sobrou: alguns poucos clientes que pagam valores quase justos, trabalhar como UGC pra marca grande ganhando R$100 por video, migalha de adsense, práticas predatórias tipo TikTok Shop e afins em troca de centavos de dólar de comissão ou publicidade pra casa de aposta desregulamentada.
Mas se tá tão ruim assim, não é melhor fazer outra coisa mesmo?
Pode não parecer, mas estar nas redes e produzir vídeos com equipamento próprio é, sim, trabalho. É tempo que não volta, é investimento de próprio bolso e, mais importante, é lucro pra acionista.
A creator economy continua crescendo, mas os frutos desse crescimento não tão indo pra quem faz ela girar. Pelo contrário. Eles viram números bonitos em ppts de empresas grandes. Tornam-se se estratégia de barganha pra receber aporte financeiro. Viram justificativa pra negociar, por exemplo, isenções fiscais pra big tech construir data center em área de seca.
Tudo isso enquanto plataformas impulsionam conteúdo extremista produzido por figuras que, quase sempre, aparecem entre os 0,53% que faturam mais de R$100 mil por mês.
No fim das contas, o que a reportagem da Marie Claire ou todo esse discurso celebratório sobre um suposto “fim dos influencers” revelam não é o “fim” de nada, mas um reposicionamento de engrenagens que, infelizmente, pra quem estuda um pouquinho de história, parece bastante familiar.
Texto escrito por Thiago Guimarães




Ora Thiago sempre lúcido em seus textos, no cenário econômico que vivemos cada novo modelo de trabalho acaba seguindo um padrão, o trabalhador sempre cairá no moedor dessas empresas onde quem lucra é o acionista, e a população continuará acreditando na meritocracia da riqueza que alguns poucos conseguem.